O crescimento das ameaças digitais nos últimos anos tornou a cibersegurança uma prioridade global. Por conta disso, ao redor de todo o mundo se fez necessário criar estratégias e regulações para lidar com tais desafios. Aqui no Brasil tivemos em Agosto de 2025 um importante passo em direção ao fortalecimento da segurança digital com a publicação da Estratégia Nacional de Cibersegurança (E-Ciber).
O país ainda sente os efeitos do recente ataque cibernético ao Banco Central, que evidenciou falhas nas conexões entre instituições públicas e seus fornecedores, gerando prejuízos e alertando para a urgência de medidas estruturadas não apenas em pequenas e médias empresas, mas também em grandes organizações públicas ou privadas.
Diante desse cenário, a estratégia propõe organizar as políticas públicas de segurança da informação, estabelecer diretrizes claras para o setor público e privado e criar um ambiente regulatório mais maduro e exigente. A partir dela, a cibersegurança deixa de ser uma pauta residual e se torna uma prioridade de Estado. Por isso, nesse artigo vamos compreender como as principais decisões estabelecidas no documento impactam as empresas brasileiras.
De diretriz a exigência: o que muda para o setor empresarial
A E-Ciber rompe com a abordagem burocrática e fragmentada das iniciativas anteriores e introduz uma estrutura de governança centralizada sob o Comitê Nacional de Cibersegurança (CNCiber) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Essa centralização é acompanhada da criação de fóruns de regulação, mecanismos de coordenação e planos de ação anuais. Essa mudança traz previsibilidade e alinhamento estratégico entre governo, empresas e sociedade.
Mas o ponto de maior impacto para o setor privado está na exigência de conformidade. A estratégia prevê a criação de um selo de compliance em cibersegurança, que será obrigatório para empresas que desejem prestar serviços ao governo. O modelo se inspira em legislações já consolidadas, como a americana de 2014, e deverá exigir comprovação de maturidade cibernética, práticas de governança, auditorias recorrentes e planos de resposta a incidentes.
Na prática, isso significa que as empresas precisarão demonstrar padrões elevados de segurança, não apenas possuir controles técnicos isolados. Auditorias, segmentação de acessos, certificações e mecanismos de seguro contra incidentes tendem a se tornar requisitos comuns em contratos públicos e, gradualmente, em parcerias privadas também.
Essa mudança também reforça um consenso já antigo entre especialistas: a segurança da cadeia de fornecedores é um dos pontos mais frágeis e perigosos do ecossistema digital. O novo marco regulatório, portanto, obriga as organizações a repensarem a forma como selecionam, monitoram e se responsabilizam pelos seus parceiros de negócios.
A fadiga regulatória: o novo desafio da conformidade
O aumento das normas e padrões de segurança pode gerar o que especialistas chamam de “fadiga regulatória”. Esse é um fenômeno em que o excesso de exigências acaba comprometendo a efetividade das práticas. Assim como os times de SOC enfrentam alert fatigue por causa do volume de notificações, gestores de segurança enfrentam uma sobrecarga de controles, auditorias e demandas legais.
Entre as causas mais comuns estão ferramentas mal configuradas frente às novas exigências, integração deficiente entre as áreas de segurança, TI e compliance, e a falta de priorização dos riscos mais críticos. O resultado é um ambiente onde as empresas investem muito, mas nem sempre com foco no que realmente importa.
A E-Ciber busca reduzir essa dispersão ao criar diretrizes claras e padronizadas, além de definir termos como
ciberativo,
ciberincidente e
ciber-risco. Essa uniformização pode parecer burocrática, mas facilita o diálogo entre órgãos públicos, auditores e empresas privadas, tornando a gestão de riscos mais objetiva e comparável.
Quatro eixos estratégicos: onde a E-Ciber atua
A estratégia nacional se estrutura em quatro eixos complementares:
- Proteção e conscientização da sociedade: promove um ambiente digital mais seguro para os cidadãos, com foco em educação digital, apoio a vítimas e boas práticas online, especialmente entre grupos vulneráveis.
- Segurança e resiliência de serviços essenciais: exige padrões mínimos de segurança para infraestruturas críticas e cria o selo nacional de certificação, além de incentivar o uso de seguros contra incidentes.
- Cooperação e integração público-privada: propõe estruturas especializadas e mecanismos nacionais de notificação de ciberincidentes, estimulando o compartilhamento de informações.
- Soberania e governança digital: busca reduzir o déficit tecnológico e incentivar o desenvolvimento de produtos e serviços de cibersegurança nacionais.
Esses pilares são sustentados por cerca de
40 ações estratégicas, que serão detalhadas no
Plano Nacional de Cibersegurança (P-Ciber), ainda em elaboração.
Como as empresas devem se preparar
As implicações da E-Ciber vão muito além do setor público. Empresas privadas, especialmente as que atuam em setores críticos como energia, telecomunicações, finanças e saúde, precisarão adotar padrões mais rigorosos de controle, resposta e auditoria.
Isso inclui revisar contratos e políticas internas, estabelecer métricas de desempenho em segurança e garantir que os fornecedores também estejam em conformidade. O tempo de resposta a incidentes (MTTR -Mean Time to Respond) pode, inclusive, se tornar uma métrica regulatória em determinados setores.
Para lidar com esse cenário, as organizações precisarão enxergar a conformidade não como um custo, mas como parte do valor estratégico da marca. Empresas com processos maduros, transparência e comunicação efetiva em incidentes serão percebidas como mais confiáveis por clientes e parceiros.
Além disso, a E-Ciber incentiva o desenvolvimento de mecanismos de capacitação e inclusão, fortalecendo a formação técnica e inserindo a cibersegurança em currículos escolares. Essa é uma medida fundamental para reduzir o déficit de profissionais qualificados, que hoje é um dos principais gargalos do setor.
Da reação à vantagem competitiva
A essência da E-Ciber é mudar o papel da cibersegurança nas organizações de uma função operacional e reativa para um pilar estratégico de negócios. Isso requer uma mudança de cultura.
Empresas maduras já entenderam que segurança não se resume a tecnologia. Trata-se de governança, processos e pessoas. As que conseguirem integrar áreas técnicas, jurídicas e executivas, com comunicação transparente e indicadores de maturidade bem definidos, sairão na frente.
Os padrões previstos na E-Ciber (e que serão detalhados no P-Ciber) não devem ser vistos como simples listas de requisitos, mas como guias de estruturação organizacional. Eles ajudarão as empresas a criar processos, controles e mecanismos de decisão mais robustos, com base em evidências e dados.
Ao transformar a segurança em um diferencial competitivo, o Brasil também avança em direção à soberania digital. A estratégia estimula o desenvolvimento de soluções nacionais e o fortalecimento da indústria de cibersegurança, abrindo espaço para novos negócios, parcerias e inovação tecnológica.
Conclusão
A nova Estratégia Nacional de Cibersegurança marca um ponto de inflexão. Mais do que uma política pública, ela representa a maturação do debate sobre segurança digital no país. Ao mesmo tempo, desafia empresas e líderes de TI a repensarem suas práticas: conformidade e governança agora são condições para competir, não apenas para proteger.
Os próximos anos exigirão equilíbrio: visibilidade sem ruído, tecnologia com propósito e segurança alinhada à estratégia de negócio. As organizações que conseguirem unir esses pilares terão não apenas mais resiliência frente a ataques, mas também vantagem competitiva real em um mercado cada vez mais orientado à confiança.
A E-Ciber é, portanto, mais do que uma resposta a incidentes passados: é o alicerce de um novo pacto nacional pela segurança digital. Um pacto que transforma a cibersegurança em motor de inovação, confiança e desenvolvimento econômico.









